segunda-feira, 30 de abril de 2012

PUNTA TACCO COM ROBERTO AGRESTI


Produção para o Brasil
Por mais absurdo que possa parecer a um estrangeiro, fabricar
motos em Manaus foi uma medida acertada para a Honda
por Roberto Agresti



Peso e tempo: eis o "X" da questão quando o assunto é custo. Quem disse isso se chama Issao Mizoguchi, um engenheiro mecânico de produção que se formou na FEI de São Bernardo do Campo, SP, e — antes mesmo de botar a mão no diploma — começou a trabalhar na Honda, em São Paulo, em meados dos anos 80.
"Quanto mais pesado o produto, mais material usa; quanto mais tempo para fabricar, mais hora-homem necessita": Issao falou isso comentando seus dilemas de 25 anos no chão da fábrica manauara da Honda, onde deveria conciliar a necessária qualidade exigida por seus clientes com um custo aceitável para seus patrões. Pelo cargo que ocupa desde 1º de abril (sem piada...), o de presidente da Moto Honda da Amazônia — primeiro brasileiro nessa função desde que a Honda aqui se instalou em 1976 —, Issao fez a lição de casa direitinho.
Na instigante entrevista que concedeu à Revista da Moto!  (nas bancas lá pelo dia 10 de maio, comprem), Issao foca outros interessantes pontos de sua vida profissional. E um curioso exemplo é o problema da logística, particular em uma empresa que, como a Honda, produz suas motos em Manaus, AM.
Uma vez prontas, as motos seguem por dias (sete, dez) de barco até Belém, PA. De lá, vão de caminhão até seu destino, que pode ser ali do lado, Ananindeua (também no Pará), ou lá longe, Porto Alegre, RS. Na volta, o caminhão que levou a moto traz a embalagem que a protegia, que é retornável como os litros de leite de antigamente, e também componentes para fabricá-las: aço, pneu (feito no Rio Grande do Sul), tinta, bateria e muito mais.
Contar para um gringo com pouco ou nenhum conhecimento de Brasil que nossas motos são produzidas no meio da selva amazônica, a quatro mil quilômetros de seus principais centros consumidores, de onde sai também boa parcela dos componentes, é certeza de diversão: caras incrédulas, risadas e um indefectível "não pode ser" ou "vocês são loucos?" são os resultados. Mas é assim mesmo, e há quase quatro décadas.

Onças e macacos
Issao, o engenheiro presidente, garante que os incentivos fiscais oferecidos para se instalar no Polo Industrial da Zona Franca de Manaus não fazem a Honda ganhar rios de dinheiro: a margem de lucro das motos saídas de lá é parelha à margem de outras Hondas, sejam elas fabricadas na Tailândia ou na Indonésia.
Cometer a loucura que é fabricar onde há mais onças e macacos do que clientes foi uma "opção" quase obrigatória. Em meados dos anos 70, os militares instalados no poder queriam muito ocupar a Amazônia de alguma maneira, pois havia no ar (e ainda há, para alguns) uma lenda de que cedo ou tarde os estrangeiros tomariam aquele pedaço de Brasil dos brasileiros. E se houvesse uma indústria lá, muita gente trabalhando, interesses multinacionais, talvez as coisas mudassem de rumo. E assim foi: meteram capital, indústrias e gente em Manaus.
Pelo sim, pelo não, a Honda já tinha um plano B então: fazer uma fábrica em Sumaré, no interior paulista. Optando pela Amazônia o terreno de Sumaré (1,7 milhão de metros quadrados, uau!) ficou guardado, esperando a hora certa de ser usado, o que aconteceu quando a marca fundada por Soichiro em 1948 começou a fazer automóveis no Brasil, em 1997.
A conversa com Issao faz pensar no mundo globalizado e na relatividade existente na indústria, seja ela de motocicletas, automóveis ou do que for. Hoje a fábrica da Honda em Manaus é considerada um primor. Por sua localização e por conta da obrigatória nacionalização exigida — antes por peso e valor agregado, agora por processo —, exigiu características de verticalização da produção. Ou seja: começar a fazer em Manaus era bom porque era zona franca e permitia importar o que fosse preciso, de máquina a componente acabado, mas com prazo para essa festa acabar.
Já ao fazer os carros Honda, em Sumaré, problemas com fornecedores teoricamente não existiriam, nem com logística, pois a fábrica está do lado da Via Anhanguera, uma das principais artérias rodoviárias paulistas. Todavia, um terremoto seguido de tsunami atrapalhou a vida da Honda, que deixou de produzir o que poderia e deveria, pois dependia de alguns poucos componentes vindos do Japão. Não há notícia de que a fabricação de motos em Manaus tenha sido afetada, certamente porque, ao topar se instalar em local tão distante — e por muitos versos inóspito —, a empresa se preparou para "terremotos e tsunamis" de outra espécie, que nem mesmo os verdadeiros terremotos e tsunamis conseguem abalar.
Moral da história: para Issao, produzir é a saída. Depender demais da importação e até de fornecedores em demasia, horizontalizando a produção, é uma armadilha. Para ele, apesar do tal "custo Brasil" e da logística malvada imposta pelo parco investimento em infraestrutura em nosso país (transporte, geração de energia, etc.) e do real supervalorizado, fabricar aqui para vender aqui é a política certa. 

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