segunda-feira, 2 de abril de 2012

PUNTA TACCO COM ROBERTO AGRESTI






Movidos a álcool

Amparados por não serem obrigados a produzir prova contra si,
motoristas ganham o direito de continuar a beber e dirigir

por Roberto Agresti

  
  
Confesso que sempre achei algo exageradas as medidas para eliminar ou diminuir a quantidade de motoristas que dirigem sob efeito de álcool. Bebo socialmente, dirijo há 35 anos e sei bem que um copo de vinho ou de cerveja não altera, em absoluto, minha capacidade de conduzir um veículo — qualquer que seja, moto ou carro. Mas, atenção: eu disse um  copo, não dois. E disse também cerveja e vinho, não uísque ou vodca. Quantidade — de teor alcoólico e de copos ingeridos — faz muita diferença, claro.

Mas esse sou eu. E os outros, como são?

Gente que nunca bebe nada alcoólico reage da mesma maneira do que eu, que desde criança, nos almoços de domingo, recebia um copo de água com açúcar e vinho para brindar com a família? Acho que não.

Tenho amigos que ingerem um único copo de cerveja e ficam como se tivessem bebido um engradado, enquanto outros bebem um engradado e se mostram lúcidos e equilibrados como se nada tivessem bebido. Seres humanos — ainda bem — são diferentes entre si, e muito.

Por conta de tudo isso, passei a achar correta essa "tolerância zero" em nossas ruas e estradas, em que pese minha perplexidade ao ver os agentes da lei montando seus esquemas de fiscalização em locais manjados ou em situações que facilitariam aos motoristas escapar, simplesmente estacionando o carro ou virando a esquerda ou à direita...

Soprei o bafômetro duas ou três vezes, e felizmente não havia bebido nadinha. Isso aconteceu logo no início da fiscalização. Depois, nunca mais. E pelo noticiário acabei aprendendo que, se acaso fosse "sorteado" em uma próxima ocasião, caso tivesse bebido, poderia simplesmente me negar a soprar no bafômetro.

Em princípio achei muito estranho um policial estar com um equipamento, que na hora revela se a pessoa está ou não seguindo a lei, e... não poder usá-lo, pois "ninguém é obrigado a produzir provas contra si mesmo". Sim, seria multado e teria a carteira aprendida por conta da recusa. Mas não seria preso em flagrante, como preconiza a lei para aqueles que superarem o limite de 0,6 gramas de álcool por litro de sangue. Ou seja, de certo modo a lei "premia" quem bebe como um gambá e diz não ao policial, pois escapa da cadeia.

Agora, uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) determina que só o bafômetro e o exame de sangue servem para provar o índice de álcool no sangue. Assim, bingo! Se bebeu, não sopre, espere passar que nada lhe acontecerá. Isso enfraqueceu a chamada Lei Seca e o que era uma exceção virou regra: as pessoas dizem "não" ao guarda, que fica ali, com cara de bobo e bafômetro na mão.

Bonitas e civilizadas
O direito é uma ciência tortuosa, cuja interpretação dá margem a muitos modos de ver uma mesma coisa. É muito bonito e civilizado imaginar que ninguém possa ser obrigado a se prejudicar, no caso, se autodenunciando ao soprar em um instrumento de medição. Mas é evidente que nossa sociedade na prática não é homogênea, feita só de pessoas bonitas e civilizadas, com princípios dos mais elevados.

Posto isso, a aplicabilidade dessa bela máxima de que "ninguém é obrigado a produzir provas contra si mesmo" se esvai quando tratamos de um grave problema, como os acidentes de trânsito causados por pessoas que exageram na bebida e estão ao volante de seus carros e motos, impunes. Basta-lhes refutar a ordem da "autoridade", nesse caso totalmente despida de autoridade para exercer sua função de zelar pelo cumprimento da lei.

Há excesso de irresponsáveis no trânsito brasileiro, e isso é o que nos torna um país com índices recorde de acidentes. Se o álcool é, sabidamente, um dos grandes culpados por essa situação, o requintado raciocínio que vê como justa a negativa de soprar no bafômetro não pode ser levado em consideração. Vivemos em um estado de exceção e não de plenitude social, onde todos respeitam todos: o cidadão é impecável, o estado cumpre seu dever e a sociedade como um todo atingiu um nível que prescinde dos chamados órgãos de segurança e das autoridades para fazer cumprir as leis, já que todos sabem o que é certo e o que é errado, e ninguém faz nada de errado.

Onde é assim? Aqui no Brasil, certamente em canto nenhum. E no mundo? Talvez nos evoluídos países nórdicos? Não, amigos, nem lá.

Deixar de fiscalizar os motoristas, tirar do policial a autoridade de fazer a lei ser cumprida — seja ela uma boa lei ou não — por conta de um raciocínio filosoficamente perfeito, mas na prática improponível no estágio atual de nossa sociedade, é piada. E um grande retrocesso. 

4 comentários:

Marlon José disse...

Vamos ser racionais,

Dirigir não é um direito adquirido em constituição, é uma concessão do estado ao cidadão, através da CNH. Do mesmo jeito que são realizados exames médicos para ter a CNH, o motorista fica sujeito ao teste do Bafometro.
Ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo, basta não dirigir.

Anônimo disse...

Gostei do seu ponto de vista, Marlon.
Outra opinião que já li é a do uso do conceito jurídico do interesse público se sebrepor ao individual. Engraçado que advogados e juristas enchem a boca pra falar do direito constitucional, mas como funciona essa questão nos países sérios?

Ton disse...

Eu posso dizer como é em países sérios: trânsito é coisa pública. Constituição nenhuma dá direito ao cidadão de conduzir um veículo no estado em que bem entender e ainda "se recusar a produzir provas contra si mesmo". Na Holanda, por exemplo, parado em blitz, não tem essa, sopra. Se não soprar, desce do carro e vá buscá-lo na delegacia. Acho igualmente desproporcional essa idéia de mandar para a cadeia quem é pego no bafômetro. Queria ouvir juristas a respeito disso. Qual o tamanho do caos nos nossos tribunais caso isso vá para a frente? E aí? Vamos enfiar na cadeia junto com assassino e estuprador um trabalhador que só bebeu uma cerveja depois do trabalho? Tenho certeza de que nossa justiça tem mais o que fazer.

Anônimo disse...

Pois é, Ton. Fizeram uma lei que deixa um zeloso motorista, após beber uma taça de vinho na mesma situação de um bêbado irresponsável. Como dizem por aí, uma solução ideal é a americana, que verifica as condições do motorista, independente da quantidade de drogas que usou, seja lícita ou ilícita. Se estiver em condições de dirigir, segue.