terça-feira, 10 de abril de 2012

OS 60 ANOS DA SÉRIE MERCEDES SL POR JASON VOGEL


Viagem de 60 anos em um dia
A emoção de dirigir um "Asa de Gaivota" e conhecer o temperamento de outras gerações da linha Mercedes SL 
Jason Vogel 

jason@oglobo.com.br

Enviado especial de O GLOBO - MARBELLA

Em fevereiro de 1987, o jornalista José Luiz Vieira publicou na saudosa revista "Motor 3" uma das mais belas reportagens automobilísticas de todos os tempos. Era o teste de um Mercedes 300 SL "Asa de Gaivota" que, à época, já tinha mais de 30 anos de fabricação...
Eis que nossa chance de dirigir o clássico, enfim, chegou. Aproveitando a efeméride dos 60 anos da linha SL, o Classic Center da Mercedes convidou um grupo de jornalistas para dirigir as primeiras gerações do modelo por estradinhas sinuosas nas montanhas da Andaluzia. Uma oportunidade rica em cheiros e vibrações. 
Para começar, um pouco de história: estrela dos GPs nos anos 30, a Mercedes cessou suas atividades esportivas por causa da Segunda Guerra. Só em 1951 a marca pôde voltar às corridas e, para a reestreia, decidiu criar um carro tipo "turismo". Seria o primeiro passo antes da Fórmula-1.
O bólido ficou pronto em 1952, obra do grupo liderado por Rudolf Uhlenhalt, gênio que serviu à Mercedes por cinco décadas. Batizado de 300 SL, o modelo (W 194, no código interno) reunia soluções então inéditas, como a estrutura tubular. Era um chassi que pesava só 50 quilos, formado por seções triangulares. Com a gaiola metálica, não havia espaço para entrar no cupê. O jeito foi tomar a capota, fazendo com que as portas se abrissem para cima — daí o apelido Gullwing, ou "Asa de Gaivota".
Um motor de seis cilindros e 3,0 litros foi emprestado pelos grandes Mercedes 300, carros oficiais do governo alemão. Com preparo, chegava a 175cv. Foi preciso inclinar o motor para que coubesse sob o capô baixo e aerodinâmico.
Com o avassalador sucesso nas corridas, o 300 SL parecia ter cumprido sua missão. Em 1954, porém, o carro de competição ganhou novo uso. O importador Max Hoffman propôs que a Mercedes fizesse uma versão de rua para os EUA e encomendou mil desses 300 SL. O resto é história e sensações — que tentaremos descrever: 


W 198 cupê (1954-1957)
É o primeiro 300 SL de rua. Cuidado para não bater a cabeça na porta. O volante bascula para a frente, permitindo que um motorista barrigudo entre na cabine. Uma vez instalado, fica-se numa ótima posição.
Com as portas fechadas, o ambiente é claustrofóbico, já que os vidros laterais não abrem (só os quebra-ventos). Após duas tentativas, o motor acorda com seu som metálico e nervoso. O cheiro de mistura rica e gasolina boa enebria.
Na estrada, é chamar forte no acelerador a 2.000rpm que ele cresce com incrível facilidade até 5.000rpm. É muito motor para o um carro com suspensão traseira por eixos oscilantes. Alcançamos 150km/h num instante — ficamos imaginando o que era isso em 1954... 
Chega-se muito rápido na curva, o acionamento do freio é pesado e não se pode entrar tão quente... O volante fica numa posição bem vertical e a direção é bem direta, facilitando os necessários contraesterços...  Achei que ia apanhar do câmbio, mas a sincronização é perfeita e o acionamento, leve (a ré é a exceção). São apenas quatro marchas.
A bomba injetora mecânica alimenta as seis bocas do motor sem engasgos ou falhas. A injeção direta não dá um buraco. Pura revolução!
Estradinha travada, serpenteando as montanhas, som metálico do motor e da transmissão reverberando, direção levinha. Lá pelas tantas, lembro que um 300 SL hoje vale um milhão de euros (na Europa...). A responsabilidade pesa.
Dirigir o 300 SL com sua suspensão traseira por eixos oscilantes é um grande exercício físico e mental. No fim, por ato falho, fiquei perdido e rodei 10km a mais do que os 20km previstos. Sonho realizado!
 

W 198 II Roadster (1957–1963)
Depois do "Asa de Gaivota", veio o 300 SL em versão conversível. A mecânica é basicamente a mesma, mas se trata de um carro muito mais fácil e civilizado de dirigir. Sem capota, não há ruído alto ecoando no interior. A transmissão não geme tanto, a suspensão é mais controlada. É o mesmo carro, só que mais civilizado. 
 

W 113 "Pagoda" (1963–1971)
Passamos à geração W 113 — na versão 280 SL. É um carro bem menor e mais dócil do que os anteriores, além de ser o primeiro Mercedes a trazer pneus radiais. Seu câmbio automático de quatro marchas dá uns tranquinhos e tudo o mais cativa: o som do motor, as sensações tácteis e visuais do volante de baquelite... Chega a 130km/h com grande facilidade, mas tem relações muito curtas na transmissão: em quarta, a 100km/h, estamos a 3.500rpm.

O carro dispunha de um teto rígido desmontável, cuja parte superior era côncava, lembrando o telhado dos templos asiáticos - daí o apelido Pagoda. Mas aqui vamos mesmo com capota arriada, integrados à natureza do Sul da Espanha, por estradinhas maravilhosas, sentindo cheiros e vento... O suave passeio com o 280 SL parece um sonho. 
 
Se me fosse permitido trazer um SL para casa, o W 113 seria minha escolha.  


R 107 (1971–1989)
Era o conversível dos superchiques e playboys dos anos 70, povoando a imaginação de um Brasil com importações escassas. Abaixar a capota requer um certo trabalho. Estofamento xadrez e os instrumentos com ponteiros amarelos dão o tom da época. Sua lanterna canelada foi copiada até na VW Brasília. 
O R 107 é mais largo e tem mais suspensão do que o antecessor — é fácil de dirigir. Foi o primeiro SL a trazer motor V8 e injeção eletrônica (em vez da mecânica). É simples conviver com ele, ainda que não tenha a mesma elegância dos modelos mais antigos.
 

R 129 (1989–2001) 
Aburguesamento total: o SL inchou como um Elvis na fase Vegas. A versão 600 SL tinha um V12 furioso, enquanto a de seis cilindros (280 SL) nasceu para aposentados de Miami. 
Foi o primeiro SL com capota elétrica, ABS e controle de estabilidade, além da suspensão hidropneumática.
O melhor do dia foi perceber que, apesar de personalidades diferentes, esses Mercedes carregam indisfarçáveis laços de parentesco. Coisa de DNA....

2 comentários:

Rafael Ribeiro disse...

Jason Vogel tem um texto sempre interessante, acompanho suas matérias no O Globo desde seu início. Quanto à preferência dele em levar o W113 para casa, eu enlouqueceria com qualquer um deles na minha garagem... Enquanto não dá, vamos trabalhar para isso!

Unknown disse...

Errado! O primeiro SL com freios ABS foi a R 107, 1980!