quarta-feira, 18 de abril de 2012

O ÚLTIMO URRO DO LEÃO BRITÂNICO, EM QUATRO RODAS...OU QUASE

MORGAN PLUS 8
E ra uma vez um império onde o sol nunca se punha, onde vicejava uma indústria automotiva pujante que ia de Rolls- Royce e Bentley ao humilde Ford Anglia de 950 cm³. Principalmente no pós-guerra, quando a ordem do rei George V era exportar ou morrer, os carros ingleses e dos transplantes americanos Ford e Vauxhall eram vendidos mundo afora. Apesar de suas partes elétricas periclitantes (que deram origem a piadas sobre o fabricante de componentes elétricos Joseph Lucas, conhecido como o Príncipe das Trevas) e de parafusos e porcas que só existiam na Inglaterra, naqueles anos surgiram carros memoráveis, como o Jaguar XK 120, o Rolls-Royce Silver Dawn, o Morris Minor e até o carro que mudou o mundo, o Morris Mini. Seminal, a obra de Alec Issigonis foi o primeiro carro a ter tração dianteira com motor transversal, uma revolução no aproveitamento de espaço e na eficiência na transmissão de energia com o motor girando paralelo às rodas, esquema que hoje norteia toda a indústria de carros com tração anterior.
O MODERNO MORGAN AERO



Pois bem, essa potência mundial hoje se resume a três ou quatro fabriquetas de nicho, um pálido fantasma hamletiano de um império que desabou em frangalhos, destruído por sua ineficiência em progredir e se modernizar na concorrência aos japoneses. A ironia é que a indústria japonesa começou copiando alguns carros ingleses, como Morris e Hillman, e as máquinas Rolleiflex alemãs. Nas Olimpíadas deste ano, ao cruzar em Londres com um Morgan, um Caterham Seven, um Ginetta ou o ultramega blaster moderno Lyonheart, diga uma prece muda pelos dias de glória passados...

 ATUAL MORGAN THREE WHEELER
Morgan 3 Wheeler (Trike) esteve no Salão de Genebra deste ano; 


A mais antiga das sobreviventes é a Morgan, que desde 1910 fabrica veículos que são quase os mesmos de 100 anos atrás. O Morgan Plus Four é uma réplica modernizada na mecânica, com motores e caixas de origem Ford. Mas a carroceria ainda é composta de painéis de chapa moldada à mão sobre estruturas de madeira curvada no vapor. A forma tem a mesma aparência dos anos 30, quando eles passaram a fabricar carros de quatro rodas com uma ligeira modificação na grade em 1954. É bem verdade que hoje em dia montam um Morgan Plus Eight de formas bizarras, um mero pastiche de uma beleza esportiva do clássico roadster inglês que se perdeu nas brumas do tempo.

Não bastasse isso, agora voltaram a oferecer um triciclo invertido, com duas rodas na frente, produto do esforço de um americano de Seattle que desejava muito ter um Morgan Trike e não achava. Então fez um para si mesmo, com motor de Harley-Davidson V Twin, mas com uma suspensão moderna de triângulos superpostos na frente, não o antediluviano sistema de pilares deslizantes que dura 10 mil km e precisa ser refeito, como nos Morgan de quatro rodas atuais. O Trike é tão benfeito e tão bom que a Morgan deu licença para que a Ace Liberty norte-americana usasse o nome de Morgan nele. E agora o importam dos Estados Unidos... Como diria HFS Morgan, o avô do dono atual, supremo sacrilégio!

OS LOTUS SEVEN EM REUNIÃO
Caterham R500 tem motor Ford 2.0

Colin Chapman revolucionou o automobilimso com sua doutrina de adicionar leveza aos bólidos dos anos 50. Reinterpretou o carro de corrida de motor central em clave moderna e, para sobreviver, idealizou um carrinho vendido em kit de montar, quase um Lego, para pagar menos imposto na Inglaterra dos anos 50. Era o Lotus Seven, imortal! Muito pequeno, pesava 400 kg e, mesmo com um motorzinho digno de um dentista, andava muito bem, principalmente no mais britânico dos esportes a motor, o Trial na lama. Dessa aranha sobre rodas foi evoluindo um carro de rua e de corrida que hoje em dia pode ter motores GM Ecotec de 200 cv.
LOTUS SEVEN ORIGINAL DOS ANOS 50
Mas a lira do delírio é o modelo que usa um motor de Suzuki Hayabusa 1.300 de 180 cv e peso de motor de moto... Mas, como a perversão automotiva não tem limites, um engenheiro maluco inventou um V8 de 400 cv e 2.800 cm³ a partir do motor Suzuki. Resultado: essa releitura do Seven consegue, atenção, um quilo por cavalo, OU UM CAVALO POR QUILO... Isso é falta de remédio forte, religião e surra de cinto do pai... Zero a 100 km/h em menos de 4 segundos e uma agilidade inacreditável em cima de uma estrutura de compensado naval colado... Até hoje o fabricam por meio de uma empresa inglesa chamada Caterham, com franqueados na Argentina.


O MODERNO GINETTA G60
A Ginetta resiste com o novo G60, dotado de um 3.7 V6 de 310 cv
Ginetta

Outro antigo sobrevivente é a Ginetta, onde trabalha um brasileiro, o filho do imortal das pistas brasileiras Francisco Lameirão. Deve ter gasolina no sangue como seu pai... A Ginetta foi obra de quatro irmãos, os Walklett, que, ao contrário do Morgan e do Seven, geraram uma forma aerodinâmica que não tinha muito a ver com o tradicional roadster inglês, e sim uma evocação do MG TD (conhecido no Brasil como a réplica MP Lafer, nos anos 70). Eram formas arredondadas, de bom coeficiente de penetração no ar e sempre com baixo peso, daí o melhor desempenho. Isso possibilitou uma gloriosa carreira nas pistas inglesas com motores entre 1,5 e 2 litros, e levou a Ginetta ao século 21. Agora modernizada pelo novo proprietário, Lawrence Tomlinson, e instalada em uma fábrica moderna, talvez seja a única marca que veio do passado ao futuro sabendo fazer seu próprio caminho e sobreviver inclusive com campeonatos de competição na mais fina tradição inglesa.


GINETTA G20
Também merece ser citado nesta compilação a recém-falecida TVR, autora de caros memoráveis como Grantura e Cerbera. Foi mais um dos muitos filhos do motor americano Oldsmobile 3.5 V8 de alumínio, que permitiu a uma geração inteira de carros esporte MG, Morgan, e (em certa medida) os Rover e Land Rover, ver a luz do dia. Dele, inclusive, foi derivada uma versão final e radical do TVR, o Cerbera, com motor V12 de 600 cavalos.

O DERRADEIRO TVR
Renascendo:

O recém-lançado Lyonheart K, tentativa dos ingleses de retomar a tradição dos esportivos, um renascimento da longa tradição do British soprts car:
A cidade de Coventry é o berço do mais recente veículo esportivo britânico: o Lyonheart K, baseado visualmente no Jaguar E tType coupé de 1962 (XKE). Prestes a chegar ao mercado, é obra do senso privilegiado de William Lyons. Daí seu nome, que tanto evoca um herói inglês, Ricardo Coração de Leão quanto sir William Wallace, herói escocês.
O Lyonheart K é baseado em uma mecânica de Jaguar XK atual, com motor 5.0 V8 de 550 cv. Pesa menos de 1.600 kg, tem compressor mecânico para ampliar sua potência, e as suspensões são totalmente independentes nas quatro rodas. Aqui não há lugar para tradicionalismos: é um carro ultramoderno, mas com design inspirado no XKE dos anos 60, modelo considerado o mais belo de seu tempo – capaz de arrancar suspiros até de Enzo Ferrari.


ARIEL ATOM




E, por último o Ariel Atom, a definição da lira do delírio mecanizado, a moto de quatro rodas que, como diz o Jeremias, não cai:  um exoesqueleto de 543 kg em ordem de marcha, movido por um L4 dois litros Honda VTEC DOHC 16V de Civic R com 250 cv a 8,200 RPM e 210 Nm a 6,100 com uma caixa Honda de 5 marchas, mais do que suficiente para ir de zero a cem por hora em 2,9 segundos. Preste bem atenção nas palavras e na cara do Jeremias tendo uma ereção automotiva...bloody fantastic!

4 comentários:

Carlos Eduardo disse...

Deve ter alguma coisa no chá dos ingleses que deixa eles meio pirados.

A densidade demográfica de fábricas de coisas legais em 2, 3 ou 4 rodas por km² na Inglaterra é a maior do mundo!

Mestre, só uma correçãozinha. O V12 do TVR Cerbera Speed12 foi concebido a partir da união de 2 motores 6 cilindros de projeto próprio da TVR, unidos pelo virabrequim. V 12, 7.7l, produzia mais de 800 cv em sua versão amansada. O bloco desse monstro fizeram em aço, para ter a resistência necessária e suportar a tropa toda.

Rafael Ribeiro disse...

Lyonheart K, o mais belo design que já vi nos últimos tempos, uma recriação que respeita o original como poucas.

O triciclo é fantástico, assisti um vídeo do Jay Leno dirigindo (e escapando da estrada) um exemplar. Brinquedo de gente grande e entusiasta ao extremo.

José Luiz Lamosa disse...

Mr. Mahar,

Até hoje não respondeste ao email dos Rat-Hod's... tá devendo héin !
Mas essa de "3 ou 4 fabricantes de nicho" foi forte demais... e sendo cidadão "euro-brasileiro", residente por 5 anos na ilha sede do citado "império onde o sol nunca se punha, e que desabou em frangalhos"... sou forçado a contestar esse papo do "destruído por sua ineficiência em progredir e se modernizar na concorrência aos japoneses"...
Os britânicos são, até os dias atuais, os melhores do planeta na capacidade pra ler, e antecipar o arquétipo coletivo global... seja nas artes visuais, no esporte, na música, no cinema e no entretenimento, nas tendências da moda, no design... Que o diga o rock'n roll, a eletronic music, Ridley Scott, o Jonny Ive, há décadas vice-presidente mundial de design da Apple... british til the last bone... E não se iluda, os caras que em 1600 e pouco inventaram o seguro, ainda estão por cima da carne seca, quando o tema é o "conceito" do veículo sobre 4 rodas... só que nas décadas finais do século passado decidiram que era muito mais lucrativo prestar serviços do que fabricar itens... e aí desmontaram suas siderúrgicas, que já tinham ido pro País de Gales e pra bem loooonge do Thames e de Londres, sob o pretexto de que não precisavam mais poluir a Natureza, e custear essa indústria de base que requer investimentos absurdos em infra-estrutura... Fora a porradaria com os sindicatos, o carvão que tava acabando... então mandaram a sujeirada toda pra Índia. Lembra que durante algum tempo os indianos tiveram o cara mais rico do mundo ? Steel business...
Prestar serviços significa vender papel... mas sem papel, ou seja, ações... intenções de compra, comodities, vender o futuro e outras atividades especulativas. Quando o Lehman Brothers Holdings Inc. foi pro saco em 2008, bem... a imprensa e a história recente tem falado muito na Grécia, na Espanha e tal, mas o Reino Unido foi muito mais afetado percentualmente em volume de negócios totais pelo credit-crunch. Só não quebrou porque não estava tão endividado, e ainda tem as maiores reservas financeiras, a moeda mais forte... lastro...
Porém quando o assunto é automóvel em 2012, pode acreditar, os ingleses tem mais glória recente, do que história e tradição pra oferecer...
Na área editorial eles tem a Autosport, EVO, Top Gear, 5TH Gear, e Autocar, que já testa veículos há 11 décadas, e resenhou mais de 5000 deles...
Autódromos ? Silverstone, Brands Hatch, Donnington Park, Goodwood, Oulton Park, Snetterton, Mallory Park, Cadwell Park, Thruxton dá pra começar ? Sem falar nas divisões de base, 8 das 12 equipes de F1 estão baseadas no Reino Unido... todas menos Sauber, Toro Rosso, HRT e Ferrari, que por sinal manteve seu QG da F1 em solo bretão por muito tempo...
Ok, os alemães tem a primazia, concordo... já é coisa antiga também... eles mantem ainda a indústria, que o inglês abriu mão, extremamente afiada... só que ao contrário dos britânicos, eles tem as facilidades da Natureza ao seu lado : na Bacia do Rio Reno, região do Ruhr, onde está localizada uma enorme e tradicional região siderúrgica alemã, que se destaca pela facilidade do transporte fluvial (Reno), trabalhadores mais domesticados, sindicatos mais mansos, e reservas de carvão de qualidade. Os caras produzem o melhor aço do mundo faz mais de mil anos... eles inventaram o business (Patent Motorwagen Benz), e por aí vai...
(continua...)

José Luiz Lamosa disse...

(continuação...)
Mas quando o assunto é o conceito (a parte abstrata da parada) e a radicalidade, well man... the union jack still hangs very high indeed...
Alguns não citados no teu texto que estão em franca (quer dizer... bretã) produção criativa :
Lotus : ainda fabrica os levinhos Elise com motores Toyota, que dão couro a valer nas Ferrari, 6 vêzes mais caras... tem o Evora também... os babacas árabes montados nos "cavallino rampanti" quando vêm um Elise, viram a esquina de vergonha...
Mclaren : tem a fábrica de carros mais foda do planeta, obra premiada de arquitetura de Sir. Norman Foster... nem vou falar nada sobre o MP4-12C, o melhor carro GT da atualidade... tem pelo menos uns dois novos modelos chegando em breve...
Caparro : uma galera dissidente da equipe do Gordon Murray que fez o F1 dos anos 90, resolveu fabricar o carro de rua mais próximo possível de um Fórmula 1... e vende a parada... road legal !
Prodrive : tradicional preparadora dos Subaru de rallye, quase conseguiu entrar na F1, se os babacas da FIA e o bundão-nazi do Max Moxley não tivessem feito política, teríamos um espetáculo melhorzinho no final do grid... ficava "feio admitir todas as candidaturas inglesas... então deixaram essa porcaria da Hispania entrar, mas tenho certeza que o Bernie tá arrependido... mas enfim os caras em breve colocam na rua o P2...
Aston Martin : capitaneada pelo fundador da Prodrive, uma cooperativa de milionários arrematou a Aston das mãos da Ford... tão entregando os modelos One-77, que custam sabe quanto a dúzia ?
Radical : os malucos fazem o SR3 SL, brinquedo preferido pros "track-day"... street legal btw...
Gordon Murray Design : esse então é o Às de espadas do baralho, quando o assunto é conceito de automóvel... ver o cara falar é um grande prazer... depois de bolar as máquinas mais radicais do mundo da Fórmula 1, como os carros do Piquet e do primeiro campeonato do Senna de 1988, foi embora pro fundo da fábrica em Woking pra idealizar, sem qualquer tipo de compromisso, o carro tecnologicamente mais avançado (e caro) do mundo, dos anos 90, o McLaren F1... Depois foi embora e atualmente comercializa não somente o projeto de um veículo super-compacto, mas também todo o processo industrial por trás da produção... esse tá anos luz à frente de todos os outros...
Spyker : os doidos de pedra holandeses que fazem carros que mais se parecem objetos produzidos pela Louis Vuitton, se mudaram da Holanda para Coventry.
Ascari Cars : esses caras levam a coisa tão a sério que mantem um resort pros aficcionados no sul da Espanha... a pista é muito usada pelo Jeremias em seus videos... estão saindo da fornada atualmente os últimos da série de 50 modelos Ascari KZ1, pela bagatela de 235.000 pounds, cada...
Noble : acaba de produzir o M600, todo em fibra-de-carbono, aclamado pela crítica... um canhão !
LTI london taxis international : e pra fechar a tampa, com chave de ouro, a fábrica que produz o melhor conceito de taxi pros centros urbanos do mundo... o velho, mas super atualizado "black-cab"...
That’s it, como se vê, além de ganhar dos pretenciosos manés do Barcelona, os ingleses tem hoje, abril de 2012, mais do que 3 ou 4 fabricantes de nicho... e isso que fiquei apenas nos mais badalados...