domingo, 18 de dezembro de 2011

PUNTA TACCO COM ROBERTO AGRESTI






Ferraris, pedágios urbanos e o Japão





No país do Sol Nascente algumas coisas mudaram em 20 anos: há menos trânsito em Tóquio e folclóricos acidentes milionários nas estradas



por Roberto Agresti



Cena de muitos Ferraris batidos numa estrada japonesa ocupou as manchetes recentemente. Realmente trata-se de um fato bizarro, tanto pela quantidade e o valor dos carros envolvidos quanto pela falta total de explicação sobre a mecânica do evento, sobre o que levou carros tão excelentes do ponto de vista dinâmico se embaralharem como cartas numa mesa de jogo, um por cima do outro, cá e lá.

Até mesmo William Bonner, o titular do seguidíssimo Jornal Nacional, se arriscou em um não usual veredito sobre a ausência de mortos ou sequer feridos, dizendo algo como "carro bom, estrada boa, dá nisso". Ouvi também, de uns mais afoitos, o sarcástico comentário de que eram todos velhos japoneses de chapéu os motoristas, alusão a uma velha lenda urbana paulistana que reza que o indivíduo mais perigoso que se pode encontrar ao volante seria um velho japonês de chapéu... Quanta discriminação!

Tal folclórico acidente entre Ferraris aconteceu poucos dias após minha volta do país do Sol Nascente, minha terceira visita ao Japão em pouco mais de 20 anos. Em nenhuma das vezes dirigi nas ruas e estradas de lá, seja carro ou moto, fazendo todos os deslocamentos ou usando transporte público tipo táxi, metrô e trens, ou circulando em vans e ônibus fretados.

Todavia, de olho vivo, reparei no quão organizado é o Japão do ponto de vista viário, e como o motorista japonês é um sujeito atento e respeitador de regras, bem diferente do que vemos por aqui. É o que torna o "ferraricídio" ainda mais incomum, certamente fruto de uma grande bobeira coletiva, daquelas que acontecem uma vez a cada mil anos. Passado o susto, os milionários envolvidos devem estar rindo do "strike" que lhes deu notoriedade. Aliás, discreta notoriedade: em nenhum momento li o nome de sequer um dos "artistas". Se fosse aqui...

Deixo o acidente de lado para falar de Tóquio que é, como as grandes cidades brasileiras, abarrotada de carros, pequenos ônibus e caminhões de entrega, que aqui chamamos de VUC — sigla de veículo urbano de carga. Fazia mais de 10 anos que não a visitava e reparei que o trânsito está melhor, fluindo mais, fato esse confirmado pelos locais, que justificaram tal fato com um pesado investimento em transporte público, notadamente o metrô, e a construção de vias elevadas.

Tais "minhocões" (sim, eles são iguaizinhos ao famigerado elevado Costa e Silva da capital paulista, que liga o centro à zona oeste da cidade) estão por toda a parte e, se não dão à cidade exatamente aquilo que se pode chamar de boa aparência, fazem o tráfego fluir. Masayo, nossa guia e interprete, conta que o trânsito de Tóquio esteve muito perto de um colapso, mas que agora, com mais metrô, mais vias expressas e, segundo ela, também a crise que reduziu as vendas de veículos, a cidade agora "anda".

Sim, é verdade, anda mesmo. Só que se paga para andar: para subir na maioria dessas vias expressas elevadas há uma cancela e cada carro tem um transponder — como o do conhecido Sem Parar daqui — que as abre automaticamente, onerando o dono do veículo a cada passagem. Disse Masayo que há alternativa de caminhos sem pagamento, mas que tais rotas são demoradas. Vale a pena pagar, portanto...

Fiquei imaginando que São Paulo, mais cedo ou mais tarde, deverá seguir o exemplo de Tóquio nessa ação contra a paralisia total de nossas vias, investindo pesadamente em transportes coletivos e em estrutura viária que talvez siga o modelo japonês, ou seja, o pedágio urbano.

Efeito depurativo

Não há escapatória para tal, imagino, por mais que já sejamos — paulistanos e brasileiros de um modo geral — literalmente seviciados (sodomizados talvez fosse um termo mais adequado...) por taxas e impostos escorchantes. Pedágio em vias expressas pode soar antipático, e de fato é, mas certamente terá um efeito depurativo nas grandes artérias da maior cidade da América do Sul: tal qual uma poderosa estatina, eliminará boa parcela do "colesterol" das ruas, as "impurezas" sobre rodas que por aqui circulam, já que, sabemos bem, o bolso é a parte mais sensível do ser humano.

Antes de gritar, entendam-me: não sou defensor do pedágio urbano, mas apenas verifico a inexorabilidade de sua aplicação em São Paulo. Sim, eu sei que já somos tremendamente onerados pela posse e uso de um veículo, e que o pedágio urbano pode até, em última análise, ser acusado de ferir o sagrado direito de ir e vir, de ser anticonstitucional, anti-isso, antiaquilo e até anticristo. Mas como disse, eu apenas constato, não defendo.

Voltando a Tóquio: do aeroporto de Narita ao hotel no bairro de Roppongi, em Tóquio, o trajeto demorou cerca de uma hora e 20 minutos de ônibus fretado, em passinho tranquilo, sem paradas seja por conta de congestionamento, seja por opção. Em 1988 tal trajeto, lembro bem, levou quase duas horas e meia para os mesmos 80 km. Que tal? Melhorou à beça, sem dúvida.

Do mesmo modo que li em algum lugar sobre o acidente com os Ferraris no Japão, nessa mesma insone semana que marca minha volta ao Brasil — o jet lag para o fuso horário brutal de 11 horas de diferença é malvado —, li que o governo brasileiro é um grande parceiro, sócio, da indústria automobilística nacional. Em qualquer plano de expansão industrial recente, uma grande parte da grana para viabilização dos projetos vem dos cofres públicos.

Seja por intermédio de isenção de taxas e impostos, o tal incentivo fiscal, seja por doação de áreas de terra gigantescas, seja por financiamentos do estupendo e peculiar BNDES (sim, aquele que empresta dinheiro à Petrobrás, a Eike Batista mas não a mim ou a você, pequeno ou médio empresário), as fábricas aumentam sua capacidade de fabricar mais e mais carros, motos, ônibus e caminhões. Ótimo. Bom para nós! Gostamos deles, é nosso negócio.

Mas... chegará a hora que — como em Tóquio — São Paulo, Rio, Belo Horizonte ou qualquer que seja ficará paralisada. E aí, tais incentivos deverão ser girados a quem faça transporte público, a quem construa minhocões, a quem instale sistemas de pedágio.

Pensando bem, acho que aqueles caras dos Ferraris eram justamente os donos dos pedágios urbanos de Tóquio, que após a tornar novamente transitável resolveram dar uma escapadela pelas estradas para se divertir.






































Um comentário:

Anônimo disse...

Caro Roberto Agresti

Seu texto e fantastico simplesmente fantastico !! concordo com voce em genero os graus todos alem dos numeros o que precisamos fazer e que nosso povo automotivo descubra que o simples fato de pedir o recibo dos pedagios, reduz consideravelmente a gana das concessionarias em nos aviltar ainda mais, com os aumentos dos pedagios, em qualquer nivel ! os pedagios sao aumentados por pedido e atraves de amostragens ficticias, portanto este pequeno detalhe, pode sim reduzir o aumento constante deles ! e parabens por sua postagem nota mil ^-)