terça-feira, 6 de setembro de 2011

PUNTA TACCO COM ROBERTO AGRESTI




A moda é besta?






Importamos dos Estados Unidos a tendência por utilitários esporte, mas nossas ruas e nosso perfil de uso não lhes são adequados






por Roberto Agresti




Em uma das minhas primeiras colunas neste espaço do Best Cars, escrevi sobre a febre dos utilitários esporte e da incoerência que é dirigi-los numa cidade de trânsito complicado como São Paulo, onde vivo. E recentemente lembrei-me disso ao me dirigir — atrasado como quase sempre — a um compromisso em um restaurante encravado nos Jardins.



Como disse, estava atrasado e, em que pese a elegância exigida pelo encontro de negócios, que me fez envergar figurino não habitual — paletó, camisa social e sapatos —, a previsão de um atraso monumental e vergonhoso me fez optar pelo ágil scooter. Com ele, serpenteando pelo trânsito do meio-dia, cheguei em minutos a poucos metros do restaurante, quando tudo parou.

Estava no trecho mais badalado da Rua Oscar Freire, que por iniciativa sei lá de quem — lojistas, prefeitura ou, mais certamente, o conluio de ambos — teve suas calçadas alargadas, transformando a já estreita via em mais estreita ainda, quase um calçadão. Nesse local, uma jovem senhora estava atravessada no meio da rua com seu Hyundai Santa Fe, tentando desentalá-lo: aparentemente saíra de ré de uma garagem, mas a via estreita e a inerente má visibilidade do trambolho, somadas à inquestionável inabilidade da motorista, me obrigaram a me conformar e assistir ao espetáculo, pois mesmo com um pequeno scooter era impossível passar. A moça trancou a via, sem dó.

Minutos intermináveis se passaram entre um coro de buzinas e gritos de "vem, vem, vem... ooops... parô, parô, parô..." dos solícitos cidadãos que tentavam ajudá-la a sair do constrangimento. Bem, para dizer a verdade, "constrangimento" não era exatamente o que estava estampado na face da jovem senhora, ao menos no pouco pedaço de rosto visível entre óculos escuros e cabelão, mas sim um brasileiríssimo ar de impávido colosso, tipo "não tô nem aí".

Análises sociais e comportamentais à parte, logo depois tal cena se esvaiu, e com uma decidida acelerada lá se foi a dama montada em seu Santa Fe — que apropriado nome! — rumo ao próximo embate entre sua (in)competência ao volante e o meio ambiente onde circula com seu pretíssimo e grande utilitário esporte.

Pano rápido e, uma semana depois, me vejo em Miami, Flórida, para o lançamento do pequeno Fiat 500. Nos Estados Unidos, em seus grandes espaços, suas muitas freeways e largas ruas e avenidas, nasceu e se desenvolveu de fato a civilização do automóvel. Em nenhum lugar do planeta a população é tão dependente do carro e, até por conta das dimensões gigantes do país, carros norte-americanos sempre foram grandes. E o utilitário esporte, por lá, é uma instituição: arrisco dizer que mais de metade dos veículos que se veem nas ruas pertence a essa categoria.

Passeando com o pequeno e insólito Fiat por esse cenário, entre inúmeras reflexões, lembrei-me da entalada da madame na Oscar Freire, e como seria difícil tal cena se repetir ali em Miami. Até mesmo nos lotados estacionamentos dos "malls", é claro que o povo de Obama levou em consideração o histórico dos veículos por lá, dos longos Bel Airs aos largos Hummers, para demarcar terreno espaçoso para que eles se movam. E não entalem...

Já aqui, o babado é outro. Organização e planejamento não são traço forte de nossa sociedade. Além disso, nascemos para o carro há pouco, e foi o Fusca nosso "carro-guia", no qual talvez a maior parcela de brasileiros maduros aprendeu a dirigir. E por consequência, ruas, garagens e estacionamentos em supermercados ou shopping centers seguem padrões derivados de uma realidade que não existe mais, ou ao menos está se transformando velozmente.

Para quem pensa em contestar isso, dizendo que carros grandes sempre existiram entre nós — Galaxie, Veraneio e Rural são alguns exemplos —, aviso: sim, é verdade, existiram. Mas poucos eram os carros nas ruas e pequeno o percentual desses grandes na cena urbana dos anos 60, 70 e 80.




Elefantes e cristais



Em particular, prefiro carros pequenos, mas não desprezo os avantajados. Aliás, tive um utilitário esporte (Nissan Pathfinder SE V6 ano 1991) durante bons quatro anos, e o adorava. Mas era o dito carro de viagem, de fim de semana, e sempre que tinha de usá-lo na urbe percebia o que significa a expressão "elefante numa loja de cristais", totalmente inadequado e com grande chance de causar problemas.

É evidente que nem todos entre vocês, leitores, moram na emaranhada São Paulo e precisam pensar no próprio veículo sob o ponto de vista da adequação ao local em que será usado, em vez das próprias necessidades e do gosto pessoal. É também claro que nem todos podem ter na garagem mais de um carro ou uma providencial moto ou scooter. Todavia, imagino que caiba jogar alguma luz sobre essa atávica tendência ao carro grandão, altão, pretão, usado num ambiente inadequado e para fins inadequados.

Sim, as qualidades do Santa Fe e congêneres são defensáveis sob muitos pontos de vista — técnicos, estilísticos e até práticos. Mas é certo que a jovem senhora da Rua Oscar Freire estaria mais bem servida naquele instante crítico por um... Fiat 500! E é claro também que há uma distorção, muito disseminada dentre os compradores de utilitários esporte, que os veem como mais seguros que um automóvel, confundindo de maneira pueril sensação de segurança com segurança de fato. Isso para não falar do fator exibicionista, que um carro grande e alto sempre favorece.


Já imagino que alguns de vocês dedicarão algum tempo a contestar o que comento. Mas, como disse acima, só pretendo expor um ponto de vista e "jogar luz" sobre o que vejo e considero modismo. E que, como todo modismo, não se justifica com lógica e racionalidade: moda é moda, e ponto.


Volto aos EUA e seus carrões e avenidões: será capaz o Fiat 500 de, como pretende a empresa italiana, ganhar os corações dos norte-americanos, atingir bons índices de vendas e... virar moda? Criado na origem para ser pequeno, prático, barato e adequado as estreitas ruas medievais italianas, o 500 do passado (1957-1975) foi reeditado e, como o New Beetle e o Mini, cresceu em tamanho. Mas não muito.


É carro de nicho, para dar a seu dono ares de moderno e assim, se cair na graça dos norte-americanos, não será porque cabe nas vagas, mas porque é charmosinho e ambientalmente adequado. Seu eventual sucesso lá se dará na razão inversa do sucesso dos utilitários esporte no Brasil, dando aos norte-americanos algo de que eles não precisam, mas que desejam, irracionalmente.


Aqui, na São Paulo onde moro, o Fiat 500 cairia muito bem, ocupando menos do escasso espaço, entrando e saindo bem das garagens e dando a muitas pessoas, que não primam pela habilidade de conduzir veículos, chance de se disfarçarem de competentes, auxiliadas por praticidade tamanho P.


Mas suponho que não é isso que move o gatilho da maioria das compras de um carro. Não é a racionalidade, a adequação, o senso comum ou a consciência social. O "barato" é outro, uma onda que muda ao sabor dos tempos e determinada por "n" fatores. Moda, talvez, o principal deles. E bovinismo, outro...


A sorte é que o tempo passa e a moda muda: ando vendo carros brancos por nossas ruas cinzentas e até alguns vermelhos, amarelos e azuis. Bom sinal!

Um comentário:

Felipe disse...

Concordo com o texto, apesar de eu ser o feliz proprietário de um Chevy Blazer, carro que gosto, não é o carro ideal, mas possuo uma moto para deslocamentos do cotidiano por ser uma opção mais prática e bem mais economica e que me faz ganhar muito tempo. Provavelmente se eu não andasse de moto não teria o meu carro e sim um carro bem menor